Neste momento é Professor do
Departamento de Mecânica do IST e
Presidente do ITN. É difícil para si conjugar as duas funções?
Não é fácil. Não podia abandonar totalmente o meu pequeno grupo, com
responsabilidades assumidas em projectos de investigação e de
desenvolvimento, nomeadamente para a indústria, nem as
responsabilidades de orientação de dissertações de Mestrado e de
Doutoramento. Até agora tenho conseguido. Quanto à actividade
lectiva, apenas poderei vir a ter dificuldades com as aulas do curso
de Mestrado. A Licenciatura não causa problemas. Sou responsável
pelas disciplinas de Projecto Mecânico I e II que correspondem à
realização de Trabalhos Finais de Curso. Os alunos que trabalham
comigo têm projectos muito diversificados e não faz sentido ter um
horário formal de aulas. O horário que pratico é de coordenação e
orientação. Normalmente, os alunos contactam-me no meu gabinete para
esclarecimento de dúvidas. Quanto ao ITN, há que começar por dizer
que é uma instituição com muitas potencialidades, com investigadores
e técnicos de elevada qualidade, a fazer excelente trabalho. O que
acontece é que tem grandes dificuldades como todas as outras
instituições do mesmo tipo. Estamos a atravessar, a nível nacional,
uma fase difícil em que as dificuldades surgem em todos os lados e
todos os dias. Perdemos, este ano, a autonomia financeira, sofrendo
as consequências de um processo administrativo mais burocratizado.
Não há a possibilidade de funcionar de uma forma flexível, isto é,
quando uma pessoa está a fazer um trabalho para o exterior ou tem um
projecto com outras instituições estrangeiras, ou mesmo um projecto
nacional (normalmente com o apoio da FCT), há que cumprir prazos, há
que executar um determinado tipo de tarefas em tempo útil, há que
fazer pagamentos, e tudo isso passa por alguma flexibilidade na
utilização dos dinheiros. Não é fácil ter de esperar por
procedimentos mais demorados de libertação de verbas para se poderem
efectuar pagamentos imprescindíveis à execução das tarefas.

O ITN pode tirar maior
partido das suas potencialidades
e aumentar a sua contribuição para
o desenvolvimento do nosso País.
Por que é que um professor do
Departamento de Engenharia Mecânica, área que não existe
directamente no ITN, aceita ser presidente desta instituição?
A única resposta possível é ter sentido tratar-se de um desafio
aliciante. Poder-se-ia pensar que seria, talvez, mais lógico ou
natural que a Presidência do ITN fosse exercida por pessoas mais
ligadas a áreas de actividade no âmbito do “nuclear”. Acontece que o
convite me foi feito e eu aceitei. Penso que terá tido alguma
importância nesta escolha o facto de, no passado, ter exercido
algumas funções que, pelos vistos, terão sido entendidas como bem
desempenhadas. Fui Presidente do Instituto Superior Técnico em 1981
e 1982, numa altura em que as dificuldades, embora de outro tipo,
não eram poucas. Depois disso, em 1983, fui para Setúbal instalar o
Instituto Politécnico de Setúbal. Quando fui para lá, o que existia
era um campo de sobreiros. Não havia mais nada. Neste momento, está
lá uma instituição com, não sei se quatro mil ou cinco mil alunos e
com cinco escolas de Ensino Superior. Deixei Setúbal em meados de
1991, na altura já com duas escolas a funcionar em pleno. Foi um
trabalho muito interessante. Foram 8 anos de actividade intensa e
note-se que, durante esse período, também nunca deixei de orientar
dissertações de Mestrado e Doutoramento, para além de outras
actividades que incluíam aulas, no IST. Toda essa minha actividade
no passado poderá ter dado como resultado, que o nosso Ministro
entendeu que eu poderia ser uma pessoa útil nesta função. Vamos lá
ver como é que eu me saio.
É Presidente da instituição com o único
reactor nuclear em Portugal do momento. Qual é, para si, a
mais-valia que este Instituto pode ter no desenvolvimento de
Portugal?
Deixem-me começar por afirmar que o ITN é, desde a sua criação, uma
mais-valia para Portugal. Talvez não se tenha tirado partido disso
correctamente por falta de uma definição adequada de uma estratégia
de desenvolvimento e actuação desta instituição. O ITN pode tirar
maior partido das suas potencialidades e aumentar a sua contribuição
para o desenvolvimento do nosso País. O reactor nuclear é apenas uma
fracção dos instrumentos ou equipamentos cuja utilização por pessoas
altamente qualificadas e especializadas dá ao ITN uma grande
capacidade de intervenção em diversos domínios. O curioso é que
muitas pessoas (ou até talvez a maior parte das pessoas) não sabem
que existe um reactor nuclear em Portugal, cuja construção se
iniciou em 1959. É um reactor de investigação, não se destinando
(nem possuindo o necessário equipamento adicional) a produzir
energia eléctrica. Tem uma potência baixa (apenas 1 MW) e serve para
desenvolver algumas actividades de investigação e ainda para manter
um determinado “know-how” nacional indispensável se queremos evitar
uma total dependência de outros países. Reparem que na altura, em
1959, não existia uma postura de oposição ao nuclear. Estávamos na
época dos “Átomos para a Paz” e as centrais nucleares eram encaradas
como a solução para as necessidades energéticas. Portugal não podia
deixar de criar o seu próprio “know-how” formando um corpo
científico e técnico capaz de compreender, dominar e desenvolver o
aproveitamento da energia nuclear e de todas as suas aplicações.
Esta atitude optimista foi-se modificando com a generalização do
conhecimento da problemática dos resíduos e dos efeitos nefastos da
radioactividade. A “guerra fria”, a constante referência aos perigos
para a humanidade da utilização militar e acidentes como o de
Chernobyl contribuíram fortemente para este processo criando nas
populações uma espécie de terror psicológico.
O que é curioso é que esta atitude mental tende a ignorar a
imensidade de aplicações que fazem parte do nosso quotidiano
nomeadamente nas áreas da medicina, biologia, química, materiais,
indústria, agricultura, engenharia, etc., etc. A investigação é
essencial para o desenvolvimento e controlo de todas estas
aplicações e o ITN constitui uma opção estratégica Nacional
indispensável à manutenção e ao desenvolvimento de competências e
capacidades neste domínio. Reparem que salientar todas as aplicações
que fazem parte do nosso dia-a-dia não implica esquecer que estamos
a lidar com equipamentos e substâncias potencialmente perigosas se
inadequadamente controladas e utilizadas. O ITN tem também um papel
essencial, legalmente atribuído, neste controlo, com especial
preocupação no domínio da protecção radiológica e segurança nuclear.
Este papel é aquilo a que eu chamo de Missão Pública do ITN. Dou-vos
alguns exemplos simples e fáceis de entender que mostram a
importância destas questões. Pensem na quantidade de aparelhos de
raios X e de cobalto espalhados por esse país fora em hospitais,
clínicas e consultórios. Todas estas instalações têm de ser
licenciadas e calibradas, os locais onde se encontram devem estar
adequadamente protegidos e as pessoas que com elas lidam
quotidianamente devem ser regularmente sujeitas a análises com vista
à verificação das quantidades de radiação a que foram submetidas
(que devem ser inferiores a determinados limites internacionalmente
estabelecidos). Outro exemplo: Espanha dispõe, se não me engano, de
9 reactores nucleares para produção de energia eléctrica, dois dos
quais muito perto da nossa fronteira e junto dos rios Tejo e Douro.
É indispensável controlar as águas desses rios, regularmente, a fim
de confirmar que não foram efectuadas descargas perigosas que,
obviamente, atravessariam o nosso território. De forma semelhante,
sempre que somos visitados por navios de propulsão nuclear, é
necessário confirmar que não houve qualquer efeito da sua
permanência nas nossas águas. Tudo isto faz parte de algumas das
atribuições do ITN. Não fiz ainda qualquer referência à poluição
ambiental nomeadamente através de elementos radioactivos que
circulam na atmosfera e se podem depositar, principalmente se
ocorrer um acidente nuclear noutro país, afectando pessoas, animais
e plantas. O controlo ambiental e dos alimentos e águas é também uma
preocupação do ITN. Para finalizar posso referir a esterilização de
produtos de vários tipos, nomeadamente para a indústria
farmacêutica, recorrendo a tecnologias de radiação. O ITN dispõe de
uma pequena unidade para o efeito e presta serviço a diversas
entidades. Neste âmbito, posso dizer que estamos a trabalhar no
sentido de, a curto prazo, se vir a criar em Portugal uma instalação
industrial para este tipo de actividade. Reduzem-se custos de
produção de indústrias nacionais já existentes (que teriam de
recorrer ao estrangeiro se não existisse uma unidade deste tipo)
tornando-as mais competitivas, criam-se novos postos de trabalho e,
principalmente, criam-se condições mais aliciantes para o
estabelecimento de novos equipamentos industriais que necessitam
daquelas tecnologias.
Estamos a falar só em radiação
nuclear...
Estamos a falar naquilo que genericamente se designa por radiações
ionizantes.
Mas estamos a falar de cerca de um
quinto, um quarto das competências do ITN...
Depende do entendimento que está por de trás dessa questão. Com
muito poucas excepções, o pessoal do ITN desenvolve actividades em
áreas muito diversificadas e com interesse para a medicina,
biologia, engenharia, indústria, etc., com especial incidência na
utilização de radiações ionizantes. Os investigadores do ITN são
gente altamente qualificada e competente e são perfeitamente capazes
de diversificar ainda mais a sua actividade. Do ponto de vista da
protecção radiológica, a situação actual das actividades em curso
representa cerca de metade, senão mais, da prestação de serviços. No
entanto, se considerarmos as actividades de investigação e
desenvolvimento, quer de âmbito nacional quer internacional, nas
restantes áreas, julgo que poderemos dizer que correspondem a cerca
de 90% ou mais. Tanto umas como outras são geradoras de receitas sem
as quais o ITN não poderia funcionar.
Actualmente a questão que se pode colocar liga-se à definição da
estratégia a adoptar para o futuro e pode resumir-se a duas opções:
aumentar e diversificar as áreas de intervenção com vista a uma
maior cobertura das necessidades de desenvolvimento tecnológico do
País, passando o “nuclear” a representar apenas uma pequena fracção,
ou, em alternativa, caminhar na direcção da especialização e
tornando o ITN um verdadeiro centro de excelência nesse domínio. Não
vou dissertar agora sobre qual a melhor opção. Posso é dizer que a
primeira implica a necessidade de alguma expansão o que, nas
circunstâncias actuais, só seria possível fomentando o
estabelecimento de parcerias e acções de colaboração, utilizando
espaços e equipamentos existentes ou a adquirir, com outras
instituições e/ou laboratórios universitários. Note-se que a
alternativa da especialização também beneficiaria desta cooperação.
Infelizmente o que se passa neste momento é uma redução do pessoal e
o seu envelhecimento por força das circunstâncias que impedem o ITN
(tal como outras instituições semelhantes) de preencher os lugares
vagos no seu quadro de pessoal e muito menos de se expandir. A
título de exemplo, o quadro de investigadores contempla 120 lugares
e só cerca de 70 se encontram actualmente ocupados. No que se refere
ao pessoal técnico o panorama é semelhante senão pior. Julgo ser
importante salientar a existência de alguma desmotivação, que urge
quebrar, no pessoal investigador existente impedido de prosseguir a
sua carreira por força legal. Há diversas situações de evidente
injustiça em que investigadores com excelentes curricula científicos
se mantêm na base da carreira quando, se a oportunidade existisse,
poderiam facilmente encontrar-se no topo da mesma. Tenho de
reconhecer a existência do chamado “amor à camisola”, gosto pela
actividade e espírito de sacrifício, na maioria dos nossos
investigadores.
E em termos de energia, cerca de 30% da
energia consumida pelos portugueses é produzida em Espanha, por
energia nuclear.
Bom, eu não tenho esse número presente na cabeça, mas penso que sim,
em Espanha ou em França. Nós já importámos energia dos dois lados e
muita dessa energia tem origem, efectivamente, nas centrais
nucleares.
O Professor prevê alguma presença de um
reactor nuclear em Portugal?
Está a falar, naturalmente, de um reactor para produção de energia
eléctrica. Isso é uma pergunta que se pode considerar politicamente
muito pouco correcta. E é difícil responder. Há todo o tipo de
correntes, em termos de opinião, em relação a isso, em termos
internacionais, pelo menos entre pessoas mais conhecedoras do sector
energético e dos problemas ambientais. Na opinião de muitos, o
regresso à opção nuclear não tem alternativa credível. Nós estamos
dependentes das barragens, do petróleo, do carvão e do gás natural.
Quanto às centrais hídricas, já atingimos praticamente o limite. As
centrais térmicas a carvão e a fuel são altamente poluentes. Restam
as centrais térmicas a gás natural, menos poluentes que as
anteriores. Neste momento decorre um programa de reconversão de
centrais térmicas para gás natural como forma de reduzir os níveis
de poluição por elas provocado. Quanto às energias renováveis, todas
muito caras, a única que parece ter alguma viabilidade prática (no
sentido de poder ter algum significado) é a eólica, existindo também
um programa nacional para a sua utilização em maior escala. Mas esta
última opção nunca poderá resolver os problemas decorrentes do
rápido crescimento das necessidades energéticas. O gás natural
constitui uma opção que deixa Portugal totalmente dependente do
estrangeiro e ainda por cima de países a que se associa alguma
instabilidade política. Daí poder concluir-se que é previsível um
ressurgimento da opção nuclear. Portugal, se não seguir essa via
terá necessariamente de importar. Note-se que estou a falar em opção
nuclear baseada em processos de cisão que são os existentes em todas
as centrais nucleares em funcionamento. A alternativa futura, ou se
quiserem o sonho, é conseguir construir reactores nucleares baseados
em fusão. Este processo utiliza átomos leves, como os do hidrogénio
o elemento mais abundante no universo, e é praticamente não
poluente. Infelizmente, ainda não se domina o processo e os
problemas tecnológicos a resolver são muitos. Talvez daqui a 20 ou
30 anos lá cheguemos.
Se Alqueva der muita energia...
Não será suficiente. Seriam precisas mais Alquevas. Construir mais
barragens, as poucas que ainda poderíamos construir aproveitando os
nossos recursos, começa também a ser uma decisão difícil, porque
teríamos que meter debaixo de água vestígios arqueológicos
significativos do nosso passado que as pessoas querem preservar.
Temos limites difíceis de ultrapassar. É um ponto de interrogação.

Não há maneira de
sobreviver se não houver mais valias integradas nos produtos,
para
além do puro facto de se fabricar ou construir.
O Professor falou já de algumas
competências do ITN. Que outras actividades é que o ITN desenvolve?
O ITN, para além do Reactor Nuclear de Investigação, tem um Sector
de Física, um Sector de Química e um Departamento de Protecção
Radiológica e Segurança Nuclear. É essa a sua estrutura actual. Em
qualquer uma dessas áreas desenvolvem-se as mais diversas
actividades. No edifício do Reactor, para além de actividades com
ele relacionadas e envolvendo a sua operação e exploração,
desenvolvem-se estudos relacionados com a dispersão atmosférica de
elementos químicos e o seu impacto sobre a biosfera e ainda estudos
sobre o comportamento vibratório e acústico de componentes
mecânicos. O Sector da Química tem vindo a desenvolver diversas
actividades nomeadamente no âmbito da ciência dos materiais,
arqueometria, geoquímica da superfície terrestre, estudos geológicos
ambientais, química analítica do ambiente, química inorgânica,
organometálica e radiofarmacêutica. O Sector da Física dedica-se a
actividades de investigação fundamental e aplicada utilizando, entre
outros, um laboratório de feixes de iões, um laboratório de
materiais para temperaturas elevadas, espectrómetros de neutrões e
uma unidade de radiações gama (utilizada na esterilização de que já
falei). Finalmente, o departamento de Protecção Radiológica e
Segurança Nuclear, como o seu próprio nome indica, tem a seu cargo a
criação de bases de dados de doses de radiação recebidas pelos
trabalhadores, a avaliação da segurança radiológica de instalações e
outras acções de carácter semelhante como a vigilância da
radioactividade em minas de urânio e a monitorização regular de
alimentos, águas e atmosfera. Dedica-se também à calibração de
equipamento e à recuperação e armazenamento de resíduos
radioactivos. É impossível ser exaustivo pelo que julgo ter dado um
panorama global que corresponde ao actual ITN.
Portanto, são quatro as áreas principais
do ITN...
Exactamente. Essa é a estrutura actual do ITN. Já agora e como falei
anteriormente na Fusão como alternativa energética à Cisão,
deixem-me dizer-lhes que o Sector da Física tem um grupo também a
trabalhar na fusão, em colaboração com o grupo do Professor Carlos
Varandas do IST. Pretendemos também estabelecer colaboração com o
Professor Tito de Mendonça, do IST, que trabalha na mesma área mas
utilizando tecnologia laser. Tem um laboratório que, devido ao
prolongamento de uma linha do Metropolitano de Lisboa, terá de ser
mudado. Já o informámos de que estamos disponíveis para o acolher e
ao seu grupo prosseguindo a sua actividade no campus do ITN.
Na área da protecção...
A Protecção constitui mesmo o único departamento com alguma
autonomia dentro do ITN, de acordo com a lei orgânica que aquela
instituição tem. A protecção é, no fundo, um grupo de pessoas que se
preocupa, fundamentalmente, com aquelas actividades que eu referi
anteriormente: a dosimetria, o isolamento das salas, o controlo e
calibração de equipamento emissor de radiações ionizantes (estamos a
falar fundamentalmente em raios X e cobalto). Existem imensos
equipamentos destes espalhadas pelo país, que têm que ser
controlados. O controlo e autorização de entrada e saída de Portugal
de fontes radioactivas tem de passar pelo ITN e a Protecção tem essa
responsabilidade. A actividade de investigação na Protecção, neste
momento, está muito reduzida porque os investigadores não têm tempo
para o fazer em maior escala dadas as inúmeras e constantes solicitações para prestação de serviços no âmbito das actividades
que referi antes. O problema é que também o número de pessoas que
podem ajudar nessa actividade (refiro-me a pessoal técnico) tem
vindo, a pouco e pouco, a reduzir-se, não havendo possibilidade
legal de contratar e formar novos técnicos.
A nossa actividade, tal
como a do Ensino Superior, é indispensável se quisermos que a nossa
indústria evolua.
Há algum projecto relevante que o
Professor gostasse de referir em que o ITN esteja envolvido neste
momento ou que tenha a curto prazo?
No âmbito da colaboração entre entidades públicas e privadas, o
projecto mais relevante que temos neste momento entre mãos já foi
referido anteriormente. A ideia é contribuir para a criação de um
consórcio para montar equipamento industrial para actividades
relacionadas com as tecnologias de radiação nomeadamente para a
esterilização. Este projecto envolve a recuperação de uma pequena
unidade existente no ITN e em fim de vida, não havendo recursos
próprios para a recarregar. O problema é que as fontes radioactivas
estão sempre a trabalhar. A radioactividade é uma coisa que o Homem
não consegue ligar e desligar a seu bel-prazer. Portanto, o material
radioactivo vai perdendo capacidade ao longo do tempo. Isso dá, como
resultado, que a unidade que temos no ITN está a atingir
praticamente o limite da sua vida. Entretanto, existe indústria
nacional que produz e exporta uma série de produtos, utilizados
nomeadamente pela indústria farmacêutica, que precisam de ser
esterilizados; o processo de esterilização mais adequado é por
irradiação. Nós não temos capacidade de suporte e não há mais
ninguém, em Portugal, que faça isso. Portanto, a ideia é entusiasmar
os empresários a juntar esforços, com financiamentos eventualmente
participados através de programas incentivadores que o Estado gere,
para montar, algures no País, uma instalação industrial para essa
actividade. O ITN teria um papel importante como entidade que pode,
efectivamente, dar o seu know-how para a condução desse tipo de
equipamento, para a formação das pessoas que com ele trabalham e,
entretanto, também tirar benefícios, gerando receita. O interesse
para a nossa indústria e para o nosso País é óbvio, contribuindo
para um aumento de competitividade e criação de novos postos de
trabalho. Acresce o facto de se contribuir para dinamizar o mercado
nacional com a potencial entrada de novos agentes ao nível das
indústrias utilizadoras das técnicas de esterilização por radiação
uma vez que, podendo ter acesso a esse serviço no nosso País,
poderão canalizar para Portugal algum do seu investimento,
estabelecendo aqui as suas unidades de produção e/ou alargando as
suas áreas de actividade ou respectiva capacidade.
Quais as relações (colaboração) entre a
investigação realizada no ITN e a investigação realizada nos centros
universitários? Vimos, na página da Internet que tem com a Faculdade
de Ciências e, como o Professor já falou, com o Técnico...
A colaboração estende-se, efectivamente, a uma série de instituições
de Ensino Superior. Julgo ser oportuno salientar o papel que o ITN
tem tido (e que é incentivado pela actual Direcção) no domínio da
formação. O ITN colabora, regularmente, com diversas instituições.
Esta colaboração, que não tem tido a visibilidade que merecia,
faz-se não só a nível da leccionação de assuntos para os quais é a
entidade globalmente mais competente como também na orientação de
dissertações de Mestrado e Doutoramento, estágios e acompanhamento e
orientação de trabalhos executados nos seus laboratórios. O ITN
também tem realizado formação profissional e o número de bolseiros
que nele desenvolve actividades é bastante elevado. Francamente, não
sei dizer com quantas instituições colaboramos, porque são muitas.
Vale a pena fazer um apanhado dessas situações. Embora não tenha
ainda uma ideia clara das instituições com quem colaboramos, julgo
de salientar os casos do
Instituto Superior Técnico,
da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa,
da Universidade Nova de Lisboa e da
Universidade de Coimbra. Não me
estou a recordar de nada que envolva o Porto, mas, se calhar, também
há. E depois, temos colaboração com instituições tipo Politécnico,
nomeadamente, com Escolas Superiores de Tecnologias da Saúde e de
Enfermagem, porque a formação na área da radiologia passa, muitas
vezes, pela realização de partes da actividade de formação no
próprio ITN, nomeadamente através de estágios e actividades
laboratoriais.
Quais as percentagens de investigação
fundamental e de investigação aplicada realizadas no ITN?
Francamente, essa é uma pergunta a que não sei responder.
Faz-se muita investigação fundamental,
ou mais aplicada?
Faz-se de tudo um pouco. Mas julgo poder dizer que a maior parte da
investigação se pode classificar como aplicada. Instituições como o ITN têm um papel fundamental que é o de servirem o meio exterior
actuando como charneiras junto da indústria. Diz-se vulgarmente que
a Universidade deve fazer mais investigação fundamental e que estas
instituições devem fazer mais investigação aplicada. Mas isso, na
minha opinião, não pode ser assim encarado de forma linear. Para já,
onde é que acaba a investigação fundamental e começa a aplicada? A
investigação aplicada precisa de ter algum suporte na investigação
fundamental e não basta ir buscar o conhecimento da investigação
fundamental executada noutras instituições para, logo de seguida, se
começarem a desenvolver as correspondentes actividades de
investigação aplicada utilizando esses conhecimentos.
O nosso campo de trabalho tem necessariamente de envolver todos
esses domínios de investigação. A nossa actividade, tal como a do
Ensino Superior, é indispensável se quisermos que a nossa indústria
evolua. É óbvio que o tempo da mão de obra barata no nosso País
acabou. Não há maneira de sobreviver se não houver mais valias
integradas nos produtos, para além do puro facto de se fabricar ou
construir. É preciso “meter” engenharia, “meter” ciência naquilo que
se faz. Temos de ser capazes de integrar naquilo que fazemos, aquilo
que a nossa massa cinzenta permite. Isso significa que temos de
investir muito, mas mesmo muito, na formação de quadros de pessoal
altamente qualificado, portanto, em vocês jovens. Vocês é que são o
nosso futuro, não somos nós. É em vocês que temos de investir,
formar-vos o melhor possível e ao mais alto nível, para vocês terem
capacidade, seja na actividade pública, seja na privada, mas
principalmente na privada, de fazer chegar ao local de trabalho o
vosso conhecimento, o vosso know-how, no sentido de ele poder ser
integrado, inovando os produtos e competindo com os outros países.
Senão, não vamos a lado nenhum. Não é com serviços, não é com
comércio, não é a vender que se produz. Importar produtos para
depois os vender e tirar uma margem deste processo, não traz nada
para o país. O país tem que produzir e exportar para entrar riqueza.
Se isso não acontecer, não há futuro possível. Nós temos que
desenvolver esse tipo de actividade com muita força. Ora bem, a
investigação aplicada tem que ver com este binómio
indústria/instituições porque a indústria não tem capacidade de, por
si só, suportar os custos de uma actividade de investigação e
desenvolvimento. A única solução é recorrer aos Centros de
Investigação, às Universidades e aos Institutos e Laboratórios do
Estado. Esses locais possuem o pessoal altamente qualificado que
detém as competências e capacidades desempenhar actividades no
sentido de satisfazer aquilo que são os interesses do industrial.
Neste momento, faz sentido o ITN ser uma
unidade de investigação directamente dependente do MCES (Ministério
da Ciência e Ensino Superior) ou deveria, por outro lado, estar
integrado numa universidade?
Esse é um tema que surge com alguma regularidade. O ITN poderia
perfeitamente estar integrado numa Universidade desde que não fossem
adulteradas as suas funções. A título de desabafo, deixem-me
dizer-lhes que, do ponto de vista da manutenção da autonomia
financeira, valia a pena essa situação. Fazer sentido que esteja
ligado ao MCES, faz. Tal como uma universidade, o ITN produz ciência
e aplica-a prestando o mais diverso tipo de serviços ao País. A
única coisa que o ITN não faz, em comparação com uma universidade, é
cursos de formação inicial porque não tem competência legal para
isso. No entanto, faz formação e colabora na formação, em apoio de
diversas instituições universitárias e politécnicas, a nível de
bacharelatos, licenciaturas, mestrados e doutoramentos. A
universidade tem centros de investigação, mas a grande maioria do
potencial humano dos centros de investigação da universidade são os
seus próprios docentes. Os docentes universitários têm que usar
parte do seu tempo a preparar as aulas e a leccioná-las. Portanto,
não têm grande parte do seu tempo disponível para utilizar os
equipamentos para desenvolver actividades de investigação. A
universidade também tem grandes dificuldades em termos de pessoal
técnico para trabalhar com os equipamentos dos laboratórios. A maior
parte das vezes, o que acontece é que são os próprios docentes que
manipulam os equipamentos que têm nos seus laboratórios. Isso
significa que o laboratório pode ficar inoperacional uma boa parte
do tempo, porque o docente tem de interromper essa actividade para
dar ou preparar aulas, efectuar avaliações e lançar notas. Esta
situação é muitas vezes ultrapassada quando existem alunos de
mestrado ou de doutoramento que estejam nessa actividade em tempo
integral. Mas em muitos casos não é assim. Em consequência, a maior
parte dos equipamentos não tem uma utilização que se aproxime de uma
adequada rendibilização dos investimentos que permitiram a sua
existência. Uma instituição em que o pessoal não exerça actividades
regulares de leccionação tira muitíssimo mais rendimento dos
equipamentos existentes nos laboratórios. Também desta forma se
justifica que as grandes unidades laboratoriais, de elevado custo,
se encontrem em instituições de investigação como os Laboratórios do
Estado. Temo que a integração de uma instituição, de um laboratório
do Estado como este, numa universidade, pudesse dar origem a, pelo
menos, médio prazo, à redução efectiva do número de pessoas na
carreira de investigação e, portanto, o laboratório tenderia a
perder rendimento.
Mantendo-se ligado ao MCES e, tendo em
vista que perdeu a autonomia financeira, quais são as estratégias
para financiamento do ITN?
A autonomia financeira é apenas um processo administrativo de gestão
de dinheiros que permite uma maior flexibilidade de funcionamento.
Autonomia financeira não quer dizer, nunca quis dizer, que se possa
gastar dinheiro como se queira. As regras da gestão dos dinheiros
públicos são as mesmas, em termos gerais. Agora…, há mais
flexibilidade. A perda de autonomia financeira não interfere com as
estratégias de financiamento que passam pela geração de recursos com
base no crescimento do número de projectos e das actividades de
ligação ao meio exterior via prestação de serviços. No entanto, não
é possível gerar dinheiro sem, simultaneamente, gastar dinheiro. A
execução de projectos e serviços passa pela realização de gastos, em
tempo útil, sem o que não é possível cumprir prazos. As dificuldades
administrativas são um entrave que retira flexibilidade ao
funcionamento.
Não há essa flexibilidade...
Essa flexibilidade foi substancialmente reduzida com a perda da
autonomia financeira. A estratégia, neste momento,
é apostar em tudo que possa gerar receita e em que exista capacidade
de actuação.
Isso parte tudo de uma política de
contenção, neste momento...
De acordo, mas eu tenho a impressão que houve, talvez, um erro. Não
sei se me fica bem dizer uma coisa destas, mas talvez não se tenham
previsto as consequências, para instituições como o ITN, da referida
perda de autonomia. Faço notar que as universidades e os seus
centros de investigação não foram abrangidos por esta medida. Vai-se
gastar menos. Mas vai-se gastar menos por maiores dificuldades em
gastar. Como política para uma maior contenção de despesas tem
alguns resultados. O problema é que há financiamentos contratuais
que implicam gastos em determinados prazos. Atrasos na execução dos
correspondentes projectos podem implicar devoluções de dinheiro que,
embora fora do prazo, foi gasto. Imaginem portanto as dificuldades
que daí podem resultar. A estratégia, neste momento, é apostar em
tudo que possa gerar receita e em que exista capacidade de actuação.
A história da estratégia é uma coisa muito bonita, mas não é à
Universidade, nem aos laboratórios do Estado, que compete definir
qual é a estratégia para o País. O Governo devia ser capaz de
estabelecer, para o País e num determinado período, qual a
estratégia a seguir. De alguma forma até se pode dizer que é isso
que se faz. Quando uma
Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
que é o grande financiador da ciência em Portugal, diz que está
aberto um determinado tipo de programa de incentivos à investigação,
que se vão privilegiar certas áreas científicas e se especifica
quais são essas áreas científicas, está, de alguma forma, a
estabelecer a estratégia para o País. Não creio que seja esta a
melhor forma de o fazer nem me parece que este tipo de decisões
assente em qualquer estudo prospectivo de desenvolvimento.
Foi uma grande medida criar o Ministério
da Ciência e Ensino Superior que, por sua vez, deu um maior apoio à
Fundação para a Ciência e a Tecnologia...
Desde que o
Ministério da Ciência e Ensino Superior
não se preocupe só com o ensino superior. Desde que não perca, da
sua visão, a necessidade de olhar para as instituições que,
fundamentalmente, desenvolvem ciência e tecnologia e que,
naturalmente são parceiras das instituições de ensino
complementando-as através dos seus recursos humanos e materiais. A
existência de cerca de 50 estudantes (bolseiros) de doutoramento e
de cerca de 20 estudantes (também bolseiros) de mestrado a trabalhar
nas nossas instalações sob orientação ou co-orientação dos nossos
investigadores é prova substancial disso. Como já referi, uma das
estratégias que nós temos neste momento, é apostar ainda mais
fortemente na cooperação com as instituições de ensino superior e
apostar também fortemente na formação a outros níveis como, por
exemplo, o dos técnicos profissionais. O desenvolvimento de Portugal
só será conseguido de forma sustentada se dispuser de recursos
humanos devidamente habilitados. |